Busting the Bankers’ Club: finance for the rest of us
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Busting the Bankers’ Club: finance for the rest of us

Um relato revelador sobre os fracassos de nosso sistema financeiro, as fontes de sua resiliência e o caminho para uma reforma econômica significativa.
Autor
Gerald Epstein
Tamanho
384 páginas
Editora
University of California Press, Oakland
Ano
2024
ISBN
978-0520385641

“O nosso sistema financeiro atual é destrutivo e trabalha primariamente para os ricos e para a elite financeira.” (p.273)

Gerald Epstein é um dos melhores especialistas americanos em finanças. Em livro recente, centrado no mercado financeiro americano, explicita como a gestão do nosso dinheiro se transformou, por meio do que qualifica de “Clube dos Banqueiros”: A clara explicação de como funciona o dreno financeiro americano nos ajuda a entender o novo mundo financeirizado, mas por tabela também como se deformou o sistema no Brasil. Aqui resumimos as ideias centrais do livro. 

O dinheiro não é um produto, é hoje apenas um sinal magnético, uma notação virtual, mas que dá direitos sobre produtos, bens e serviços concretos, inclusive horas de trabalho das pessoas, ou terras, ou imóveis. No caso dos Estados Unidos, desde 2010, dá direito legal à compra de legisladores e políticos em geral, com a liberação das corporações financiarem campanhas. Para a massa da população, é a condição de sobrevivência. Para o topo da pirâmide social, é poder. Onde antigamente tínhamos notas no bolso, eventualmente um cofre em casa, hoje temos um cartão com uma tarjinha marrom, e um banco que administra a nossa conta. Tudo hoje passa por intermediários financeiros dos mais diversos tipos, bancos, fundos, holdings, seguradoras, gestores de ativos, e os próprios bancos centrais cooptados para este novo universo da era do capital improdutivo. Esta nova estrutura econômica, aliança de poder financeiro, político, midiático e jurídico, Epstein a chamou de clube dos banqueiros, Bankers’ Club. 

gerald epstein

O livro consiste essencialmente na descrição detalhada, e muito clara, sobre como funcionam os diversos personagens deste clube, segundo as especializações, e como os seus interesses convergem na construção e reforço de mecanismos de extração de dinheiro de praticamente todos os sujeitos econômicos. Mostra os impactos econômicos nos diferentes setores de atividade, porque as formas de extração, os drenos – Epstein utiliza a expressão “spigot”, que significa precisamente dreno – são diversificados, ainda que obedecendo à norma comum de maximização de lucros. Neste caso, não se trata de lucros que resultam de uma atividade produtiva, “income”, mas de pedágios sobre quem produz, o que hoje chamamos de “rent”, ou renta, enriquecimento sem contrapartida produtiva. Nos tempos de Machado de Assis diziam que as pessoas ricas e ociosas “vivem de rendas”. Hoje, como outrora os aristocratas, gerou-se uma classe dominante que “vive de rendas”. Mas o seu dinheiro deve sair de algum lugar, e os mecanismos de extração são sofisticados. 

No caso brasileiro, é só pegar a publicação anual da Forbes, que nos apresenta a ficha dos 280 bilionários do país, dos quais a imensa maioria participa do clube, ganhando dinheiro por meio de aplicações financeiras, não de produção de bens e serviços, de investimento produtivo. Como se trata hoje do principal mecanismo de apropriação de recursos da sociedade, entender como funciona é vital, inclusive para construir alternativas, e fazer o dinheiro voltar a servir a sociedade, que é a parte final do livro, que nos proporciona inclusive os nomes das organizações e das pessoas que batalham pelo resgate da utilidade social. Já foram intermediários úteis que financiavam produção, consumo, aposentadorias, enfim, as nossas necessidades – já que o dinheiro é nosso – mas hoje são atravessadores, pois não temos alternativas senão passar por suas mãos, por seus algoritmos, pagando juros, taxas e tarifas a cada movimento. Estão sentados sobre o dinheiro da sociedade, inclusive dos nossos impostos, e cobram caro o acesso. 

Epstein caracteriza o sistema financeiro atual como a era dos “roaring banks”, alusão aos “roaring twenties”, os “loucos anos 20” do século passado, mas que eu traduziria como “bancos descontrolados”, radicalmente diferentes do sistema tradicional e monótono, cujas funções consistiam em: (59)

  1. Financiamento direto de investimentos produtivos para empresas e famílias; 
  2. Providenciar mecanismos para que as famílias possam poupar para grandes despesas, por exemplo mandar filhos para a universidade ou para aposentadoria;
  3. Ajudar empresas e famílias a reduzir riscos, por exemplo providenciando seguros de casa, vida ou carro;
  4. Providenciar liquidez estável e flexível, para que famílias e empresas possam fazer investimentos de longo prazo, e se as condições mudam, possam facilmente e rapidamente vender os ativos para terem dinheiro vivo;
  5. Providenciar meios eficientes de pagamento de forma que famílias e empresas possam comprar bens e serviços facilmente, de forma segura e com custos de transação baixos;
  6. Desenvolver novos produtos e processos para que todas essas atividades se tornem melhores, mais baratas e mais facilmente disponíveis (“inovação financeira”)

Essas atividades tradicionais o autor qualifica de “boring banking”, a “monotonia dos bancos” que nos serviam. Hoje, se servem. O que era uma contribuição para a economia se transformou em um dreno. “Constatamos que entre 1990 e 2019 os bancos descontrolados (roaring banking) custaram à sociedade cerca de entre $45 trilhões e $68 trilhões. Usando a estimativa mais baixa, isso equivale a mais de $170.000 dólares para cada pessoa e $350.000 dólares para cada família nos Estados Unidos. Sem essa perda, a família americana típica teria aumentado a sua riqueza (wealth) no momento da aposentadoria (sessenta e cinco anos) em um terço.”(88) “Os bancos descontrolados estão ganhando bilhões de dólares para os seus executivos e proprietários, enquanto estão tendo um impacto negativo para o restante de nós. No conjunto, a nossa economia estaria melhor sem isso. Assim que na próxima vez que os banqueiros ameaçarem de mover as suas sedes para exterior, deveríamos dizer adeus e boa viagem…Temos uma solução clara para isso: construir instituições financeiras públicas que possam fazer o trabalho dos banqueiros melhor, e quebrar (bust up) os megabancos que são grandes demais para quebrar (too big to fail)”. (90)

O sistema é articulado e organiza a convergência dos seus interesses: não temos aqui nem o mecanismo de equilíbrio que seria a livre-competição nos “mercados”, nem a presença do interesse social dos bancos públicos. “Os grandes bancos de Wall Street estão no epicentro do sistema financeiro. Como resultado, praticamente todos os principais aspectos das finanças que discutimos até agora – fundos de hedge (hedge funds), capital privado (private equity), empréstimos predatórios (predatory lending), mercado hipotecário, e o sistema chamado de banco paralelo (shadow banking) – estão de alguma forma ligados (tied) a esses megabancos.”(70) Onde poderia haver competição por melhores serviços com muitos bancos pequenos, temos “market power”, poder de oligopólio. “No tempo da crise de 2007-2009, os três maiores bancos detinham quase 40% dos ativos (assets) enquanto os 10 maiores detinham quase 70%. Esses números são quase o dobro da participação que esses bancos maiores tinham em 1994. A concentração em áreas particularmente lucrativas, como os derivativos, é ainda maior. Os cinco bancos no topo controlam mais de 96% das transações com derivativos. Os derivativos, incluindo swaps de inadimplência de crédito (credit default swaps), estavam entre os componentes mais lucrativos do ecossistema dos bancos descontrolados (roaring banks)”. (54) 

Ou seja, uma coisa é a crise de 2007-2009, que foi absorvida com um desvio gigantesco dos impostos da população para cobrir rombos de excessos de especulação. Outra coisa é que em termos sistêmicos, o complexo universo financeiro deixou de ser útil para a sociedade, inclusive travando o seu desenvolvimento. A lei Dodd-Frank (2010) que era para assegurar estabilidade e prevenção de novas crises na realidade foi diluída até se tornar uma avenida para a reprodução das deformações. “Para ter sucesso teriam sido necessárias mudanças fundamentais no sistema financeiro: provavelmente teria sido exigido o desmantelamento dos maiores bancos; colocar todas as instituições financeiras e os mercados sob controle regulatório; controlar as dívidas excessivas (alavancagem) assumidas pelos bancos; limitar jogatinas e especulação no sistema financeiro, incluindo as associadas com derivativos, negociação proprietária (negociação na própria conta do banco); e restringir a corrupção generalizada e conflitos de interesses no sistema financeiro e regulatório.” (110) Gerald Epstein participou das negociações, e sentiu diretamente o grau de controle político que as corporações financeiras tinham para diluir a nova lei. No Brasil fomos além, com a simples retirada do artigo 192 da Constituição de 1988, que regulava o sistema financeiro nacional. Bastou um pouco de pressão no Congresso para derrubarem um artigo fundamental da lei maior do país. 

Tão importante como a absorção do poder político pelo poder econômico é o controle sobre as atividades produtivas. As empresas do setor produtivo passaram a buscar mais lucros por meio de aplicações financeiras do que através de maior investimento produtivo. Passaram a pagar mais dividendos aos acionistas, em negociações com o sistema financeiro (asset management como BlackRock e semelhantes), e em compensação obtendo maiores remunerações, inclusive com recompra de ações. Nas últimas décadas a distância entre a remuneração média dos trabalhadores e a dos executivos nos Estados Unidos passou de 1 para 20, para 1 para 300. A empresa tem lucro: uma parte menor vai para os trabalhadores, uma parte menor vai para reinvestimento na empresa, e o que se expande é a exagerada remuneração dos executivos e dos acionistas. É ruim para a sociedade, e ruim para a economia. Sendo oligopólios, podem inclusive aumentar os preços para ter maiores lucros (inflação de lucros). O sistema se desequilibra de forma estrutural, mas trava o desenvolvimento. 

“Empresas não-financeiras passaram a ganhar uma parte cada vez maior dos seus lucros por meio de estratégias consistindo em: esconder os seus lucros; movê-los para paraísos fiscais onde os impostos são mais baixos; criar novos tipos de ativos como “patentes”, propriedade intelectual e outras formas de capital intangível; e ganhar lucros financeiros por meio de derivativos e atividades associadas. Seguindo essas estratégias, passaram a depender pesadamente de advogados, contabilistas, e sim, de banqueiros.” (167) A financeirização se torna sistêmica, envolvendo o próprio sistema financeiro, mas também o poder político e diversos setores de atividades produtivas. “Atualmente é difícil encontrar espaço de políticas entre corporações financeiras e não financeiras; os seus interesses parecem estar completamente interconectados.” (184)

Como ficam os “economistas” no meio disso? “Os economistas não foram apenas espectadores inocentes: ajudaram a gerar essa catástrofe. A teoria econômica de alto nível defendeu a eficiência dos mercados financeiros. E outros economistas ortodoxos promoveram a ideia da ‘falência do Estado’ – a corruptibilidade e inaptidão do governo significava que os remédios do governo para corrigir os problemas iriam ser piores do que a doença. Essas ideias ortodoxas (mainstream) eram frequentemente embrulhadas em aparências de matemática e tecnicalidades, o que aumentou o seu prestigio entre os pares e ajudou a convencer os agentes das políticas de que essas ideias eram científicas e deviam ser verdadeiras.” (199) Dessa forma, “não deveria ser visto como surpreendente que muitas pesquisas focassem os perigos de excessos de gastos e de endividamento governamentais. Aqui como em outras áreas, economistas aplicaram teorias macroeconômicas simplistas e por vezes análises estatísticas desleixadas para apoiar essas ideias. ” (207) 

Quanto à preocupação com a corrupção, trata-se sem dúvida de um cavalo branco para empurrar argumentos políticos, mas Epstein lembra que “nos últimos 20 anos os maiores bancos [nos EUA] foram sujeitos a 430 sanções por parte de instituições federais e estaduais de regulação, e multadas em quase $200 bilhões por má conduta desde “lavagem de dinheiro e manipulação de mercados até fraude.” (207) Aliás as fraudes por parte de instituições financeiras privadas são generalizadas, sem falar da agiotagem no Brasil, que se tornou legal simplesmente porque tiraram a lei que a definia como crime. Em vez de não cometer o crime, tiraram a lei. 

A parte final do livro trata de como está se organizando o combate contra essas deformações sistêmicas, elencando as principais organizações, as formas de pressão política, a multiplicação de bancos públicos locais, enfim, a batalha pela reapropriação dos recursos financeiros que são nossos, tanto no que toca aos depósitos nos bancos, como no que toca ao dinheiro público que inclusive subsidia bancos privados, em todo caso nos que são “demasiado grandes para quebrar”. Hoje comentam que são também “too big to jail”. Trata-se em particular da luta por um banco central (o FED nos Estados Unidos é privado) que efetivamente regule o sistema financeiro para que responda às necessidades da economia e da sociedade. Na análise de Epstein, o FED é essencialmente o chefe do “Bankers’ Club”, e os ajuda a extrair o máximo, em vez de assegurar a utilidade social do sistema financeiro: “A independência do Federal Reserve significa a dependência do Federal Reserve dos bancos, o que leva o Fed para dentro do Clube dos Banqueiros.”(270) 

Na parte propositiva, Epstein trabalha com a visão do desenvolvimento integrado. “Para que uma comunidade no seu conjunto saia da armadilha da pobreza de baixa renda, poucas oportunidades de emprego, moradias deficientes, e infraestruturas inferiores, uma iniciativa de apenas preencher algumas insuficiências financeiras não será efetivo nem sustentável. Moradias acessíveis dependem de bons empregos; bons empregos dependem de infraestruturas utilizáveis; todos esses dependem de escolas decentes, e todos dependem da moradia. Em outras palavras, uma quantidade de bens complementares precisa ser disponibilizada ao mesmo tempo para se reforçar e sustentar mutuamente.” (252) 

Esptein cita um ativista de bancos públicos da Califórnia: “Um sistema ideal deveria priorizar o investimento para o máximo de benefício social em vez da maximização de lucros. Isso exigiria controle local e governança democrática.” (253) Pode se tratar de bancos municipais ou estaduais, instituições financeiras de desenvolvimento comunitário, bancos cooperativos. O Public Banking Institute acompanha as iniciativas de bancos públicos nos EUA. O Estado da Califórnia passou uma lei autorizando a criação de bancos municipais. Batalham pelas reformas organizações como Americans for Financial Reform (AFR), o Stable, Accountable, Fair and Efficient Financial Reform (SAFER), surgiram as Community Development Financial Institutions (CDFIs), Institute for New Economic Thinking e semelhantes. É uma batalha por resgatar a utilidade das finanças. Aqui se trata dos Estados Unidos, mas o sistema financeiro é planetário, e os desafios são globais. No caso do brasil, o abuso dos bancos e do sistema financeiro é simplesmente grotesco. Um banqueiro francês de passagem, ao olhar as nossas taxas de juros, comentou simplesmente: “Mas isso é imoral.” Além de imoral, é desastroso.

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