Economics in America: an immigrant economist explores the land of inequality
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Economics in America: an immigrant economist explores the land of inequality

"A ciência econômica na América: um economista imigrante explora o mundo da desigualdade": nessa excelente análise, o Nobel de economia questiona: O capitalismo, afinal das contas, está funcionando para quem? A retórica utópica sobre a liberdade levou a uma distopia social injusta, e não pela primeira vez. Mercados livres com rentistas não é o mesmo como mercados competitivos; na realidade, frequentemente são exatamente o oposto.
Autor
Angus Deaton
Tamanho
180 páginas
Editora
Princeton University Press
Ano
2023
ISBN
978-0691247625

Temos de abandonar a nossa única concentração (sole fixation) no dinheiro como medida do bem-estar humano.” (237)

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O economista Angus Deaton fala em uma coletiva de imprensa após ganhar o Prêmio Nobel de Economia na Universidade de Princeton,  Nova Jersey, em 12 de outubro de 2015

Angus Deaton ganhou o Nobel de economia (prêmio do Banco da Suécia) em 2015, e parece ser um dos que mereciam. Escocês que migrou para os Estados Unidos nos anos 1980, precisava ser um pesquisador com certa “exterioridade” relativamente ao mundo dos economistas americanos, para traçar este retrato cativante de como é o universo dos economistas neste país. Muito mais, na realidade, pois com essa viagem entre as diversas posturas dos economistas e as diversas escolas, abre espaço para que fiquem muito mais claras as infantilidades (termo do autor) como a de que o Estado deve se comportar como dona de casa que só deve gastar o que tem, ou de que a pobreza e fragilidade geral do andar de baixo da sociedade resulta da falta de esforço, ou da preguiça, com o conto de que os ricos são ricos porque o fizeram por merecer, e os pobres são pobres porque o merecem. De certa forma, ao apresentar os diversos economistas com os quais conviveu ou que estudou, Deaton abre o leque de posições desta área das ciências sociais, a economia, que busca novos rumos. 

No subtítulo, que sugere a exploração do mundo da desigualdade, Deaton já traz o principal desafio. O capitalismo, afinal das contas, está funcionando para quem? “O capitalismo democrático americano tal como atualmente praticado está servindo a apenas uma minoria da população, e a maioria não está feliz nem com a democracia nem com o capitalismo. A fábula de que deixar os financistas enriquecer teria ajudado a economia a crescer e teria beneficiado a todos foi exposta pela Crise Financeira…São apóstolos da globalização e da mudança técnica que enriqueceu uma elite e redistribuiu a renda e a riqueza dos trabalhadores para o capital, enquanto destruía milhões de empregos, esvaziava as comunidades, de piorava as vidas dos seus residentes.”(229) É tão dramático? Deaton também apresenta os “muitos economistas [que] têm um sistema ético bem desenvolvido e um senso de justiça.” Mas “a grande questão é se o capitalismo americano atual –  e numa menor medida o capitalismo em outros países ricos – continua a ser compatível com a democracia liberal.”(213)

Essa reaproximação da economia com a ética e os objetivos sociais vem com força, reconstituindo raízes com “o objetivo do bem-estar social que Adam Smith viu como tarefa essencial do economista.”(233) Não é o que hoje ensinamos. “Na minha própria visão”, escreve Deaton, “o problema central da ciência econômica moderna é o seu horizonte limitado e a matéria de seu estudo. Essa disciplina se desarvorou da sua própria base, que é o estudo do bem-estar humano.” Esse é o eixo, o ângulo a partir do qual o autor analisa as diversas escolas, os principais ou mais influentes personagens do mundo de economistas americanos. As raízes são keynesianas: “A ciência econômica deveria ser sobre a compreensão das razões e de como se livrar da sordidez e tristeza (sordidness and joylessness) que acompanham a pobreza e a privação. Keynes também apresentava um bom resumo: “O problema político da humanidade: como combinar três coisas: eficiência econômica, justiça social e liberdade individual.””(234)

Uma questão central na construção, ou reconstrução de uma ciência econômica que responda às necessidades da sociedade, está na polarização entre os que justificam a limitação das políticas sociais e da presença das políticas públicas, e os que entendem que essas políticas são essenciais. Muitos candidatos republicanos se elegeram com “plataformas que prometiam curar o desemprego ao eliminar o déficit em Washington. Vamos apagar o incêndio fechando a torneira de água.” Deaton explica: “Governos não ficam sem dinheiro da mesma forma que as pessoas – podem imprimir mais dinheiro se precisam dele, e há pouco risco de inflação quando a economia está numa situação de subutilização da sua capacidade. Reduzir os gastos do governo numa economia fragilizada (in a slump) é como reduzir importação de alimentos durante uma fome.”(151) O resultado é a “geração do rentismo facilitado pelo governo, e uma destruição apoiada na ideologia do fundamentalismo de mercado.”(212) 

No nosso caso brasileiro, com a dramática subutilização da força de trabalho, da terra, dos recursos financeiros e da capacidade científica e tecnológica moderna, privar-se do instrumento de dinamização por meio do investimento público é particularmente absurdo. Deaton descreve em detalhe os debates americanos sobre o efeito multiplicador dos investimentos públicos: “Muitos políticos e grande parte da mídia apresentam como óbvio que o mercado de ações mede o bem-estar social, e que a tarefa de qualquer administração [pública] é de mantê-lo alto”. É desconhecer o efeito multiplicador do investimento público: “O efeito multiplicador se refere ao fator pelo qual o consumo estimulado aumentará a renda nacional, um número que os economistas da administração [pública] acreditava ser superior a um.” Ou seja, um “gasto” que gera mais recursos do que o que foi investido. Lembremos que no caso do Bolsa Família na primeira gestão Lula o IPEA calculou que um real alocado gerava um aumento do PIB de R$1,78. 

No caso americano, Deaton desanca o economista Robert Barro, que afirmava que o investimento público afogaria as pessoas em dívida que teriam que pagar: “Para a maioria dos economistas, eu inclusive, essa insanidade é embaraçosa, e o fato que Barro seja tomado com seriedade – e sendo professor em Harvard, em vez de ser um blogueiro periférico – é uma indicação segura de que, realmente, a macroeconomia regrediu, não progrediu, desde 1936.”(215) Mas essa insanidade é fortemente financiada: “O Cato Institute, que tem como um dos cofundadores Charles Koch, encontrou duzentos economistas para assinarem uma página inteira de publicidade afirmando que gastos do governo não estimularam a economia no passado, e não o fariam então.” “Eu acho profundamente deprimente, escreve Deaton, “que pelo menos no que se refere à política macroeconômica, não haja consenso que possa convencer um leigo inteligente mas cético.” E para os que ganham com o sistema, a não-compreensão é interessada: “É mais fácil captar lucros por meio do rentismo e da monopolização do que pela inovação e investimento.” (108)

O sistema de gestão da saúde é particularmente detalhado. Lembremos que se trata do maior setor da economia americana, 20% do PIB. A indústria representa 11%. Mas aplicar mecanismos de mercado à área de saúde leva a absurdos: com ‘mercados’, “chegamos a um mundo em que a família Sackler se remunerou em mais de $14 bilhões estimulando e promovendo uma epidemia de opioides que matou centenas de milhares de americanos. Johnson&Johnson, fabricante de Band-Aid e de Baby Powder, cultivou papoulas de ópio na Tasmânia, alimentando a epidemia opioide, enquanto os militares americanos bombardeavam os fornecedores de heroína do Talibã na província de Helmand”.(94) Lembremos que a Pfizer vende a dose de tratamento da Covid-19, 30 pílulas de Paxlovid,  por 1390 dólares, quando pesquisadores de Harvard calcularam que o custo de produção é de 13 dólares. Os mercados, escreve Deaton, funcionam quando são competitivos, “o que não é o caso dos hospitais, ambulâncias ou até prisões, em que o mercado de ações é ativo. Tampouco funciona quando acionistas compram uma grande parte dos pontos de venda numa localidade, criando um monopólio local.”(95) 

O que chamamos de mercado, lucro e investimento se transformou em sistemas de controle, rentismo abusivo e aplicações financeiras. “Em retrospecto, não é tão surpreendente que mercados livres, ou pelo menos mercados livres em que o governo permite e encoraja o rentismo (rent seeking) pelos ricos, tenha produzido não igualdade, mas uma elite extrativa que é predadora da população em geral. A retórica utópica sobre a liberdade levou a uma distopia social injusta, e não pela primeira vez. Mercados livres com rentistas não é o mesmo como mercados competitivos; na realidade, frequentemente são exatamente o oposto.”(95) Essa é uma história que temos sempre de repetir, escreve Deaton, “de um rentismo facilitado pelo governo e de uma destruição apoiada na ideologia fundamentalista de mercado.”(212)

Deaton pesquisou amplamente a fratura social que se gerou entre os que puderam ter acesso ao diploma universitário, cerca de um terço dos adultos, e os dois terços restantes, cuja situação econômica e status social se deterioram, faceta característica da atual sociedade americana. Nesta economia do conhecimento, a ciência, o acesso ao diploma, se tornaram elementos essenciais do progresso social individual, penetrando tantas facetas da organização da sociedade, na organização dos bairros e das habitações, no acesso ao transporte, no acesso à saúde, e naturalmente no acesso a sistemas elitizados de educação. “Uma das divisões mais importantes na América hoje é entre os que têm um diploma de quatro anos de universidade, e os que não têm. O diploma se tornou crescentemente um passaporte não apenas a um bom emprego – o tipo de emprego que vale a pena ter e cuja remuneração têm aumentado regularmente durante o último meio-século – mas também a um bom serviço de saúde, longevidade, e uma vida social florescente. Sem isso, você se arrisca a ser um cidadão de segunda classe.”(218)

Para o andar de baixo da sociedade, a situação gera não só frustração como desespero, e explica em boa parte o trumpismo. Deaton detalha a onda de suicídio – publicou com Anne Case o livro Deaths of Dispair and the Future of Capitalism – e a redução do tempo de vida. “Fazemos um paralelo com as análises de Emil Durkheim sobre o suicídio, em que as pessoas se encontram numa economia e numa sociedade que já não funciona para elas e já não lhes assegurar o apoio de que necessitam para fazer as suas vidas valer a pena.”

A impressão geral que fica, com a leitura do livro, é de uma radiografia poderosa das contradições no mundo dos economistas americanos, e em particular da erosão acelerada da legitimidade do que temos chamado de economia ortodoxa, que cheira a século passado, e constitui muito mais um conjunto de narrativas para justificar o injustificável, como a desigualdade explosiva, o desastre ambiental, a frustração ampliada na base da sociedade. Isso que Deaton chama de ‘capitalismo predatório’ (109) está nos levando para uma catástrofe sistêmica: “A grande questão, escreve Deaton, é se o capitalismo americano atual – e em menor grau o capitalismo em outros países ricos – continua a ser compatível com a democracia liberal.”(213)

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