The Finance Curse: how global finance is making us all poorer
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The Finance Curse: how global finance is making us all poorer

"A maldição financeira: como a finança global nos está empobrecendo a todos": O livro de Shaxson é muito legível, ele não apresenta “teorias”, mas o funcionamento efetivo dos vários setores da economia, e como os resultados são apropriados pelo mesmo sistema financeiro. Se apresentam como financiadores da produção, mas se trata essencialmente de extração: extraem muito mais do que aportam.
Autor
Nicholas Shaxson
Tamanho
376 páginas
Editora
Grove Press, New York

Para muitos o título pode parecer exagero. Não é o caso de Martin Wolf, economista-chefe do Financial Times, que na rubrica “Best Books of the Year” escreveu que este livro é “esplêndido, batendo com força, bem escrito, e informativo.” Trago esta opinião, que está na capa do livro, porque para muita gente banqueiros no fundo devem ser honestos, e afinal há leis e regras, e temos bancos centrais, e grandes grupos mundiais têm demasiada visibilidade para recorrer a fraudes e atividades ilegais. Bem, a realidade é que são justamente suficientemente grandes para escapar com fraudes e atividades ilegais sem arcar com as consequências, e em particular tornar legal o que não é legítimo, ao manipular as leis. Legítimo, aqui, é no sentido de haver um mínimo de proporcionalidade entre a riqueza que se extrai da sociedade, e o quanto se contribui. Michael Sandel se referiria a ‘merecimento’. E o absurdo, é que se utiliza nosso dinheiro para gerar fortunas, deixando-nos endividados e quebrados. É o que tantos já estão chamando de “capitalismo extrativo”. 

O objetivo geral do livro é claro: “Domar os megabancos é essencial e urgente, mas a tarefa maior é consertar a financeirização. Isso vai envolver revitalizar o combate aos trustes, travar atividades geridas a partir de paraísos fiscais, e de modo geral buscar formas de desencorajar a extração de riqueza para favorecer a criação de riqueza.” (303) A linguagem do autor é também a linguagem dos profissionais da área, quem convive vai reconhecer “Temos de proceder a uma economia investigativa, descobrir o sangue e as tripas do que está acontecendo: quem está fodendo (screwing) com quem, como e porquê? É uma ótima forma de descobrir como o mundo realmente funciona.”(302) 

Para quem viu “O lobo de Wall Street”, é uma atitude simplesmente realista. E o esforço é necessário, segundo Shaxson, “porque a informação econômica é distorcida e deformada sistematicamente, de forma generalizada, em contra dos interesses da população americana.”(302) Não só americana: no Brasil, esta informação é apresentada, na mídia comercial, como “técnica”, o que supõe que seja objetiva. No que Shaxson descreve, para o caso das nossas instituições, é só potencializar, “ao quadrado”. Somos um exemplo grotesco de um sistema globalmente disfuncional. A deformação básica? “Nosso sistema financeiro deveria servir nossa economia, mas o que acontece é crescentemente o inverso.”(7)

O autor chama o sistema financeiro atual de “máquina da desigualdade”, disfarçada de “competitividade”: “É, portanto, desde os seus primeiros princípios, uma máquina da desigualdade. É também uma máquina para gerar crimes e comportamentos abusivos. Cave um pouco em torno de qualquer grande escândalo econômico moderno – o escândalo LIBOR, o LuxLeaks, os Panama Papers, a pilha de dinheiro da ordem de 250 bilhões de dólares da Apple em offshore para não pagar impostos, a crise financeira global, faça a sua escolha – e verá que a agenda da competitividade se esconde por trás dos grandes títulos, reduzindo regulação, políticas e taxas sobre mercados financeiros globais.” Um dos grandes argumentos do livro, escreve Shaxson, “é que se você quer construir uma economia próspera e inclusiva, você não precisa “competir” por exemplo reduzindo taxas de impostos ou fragilizando a regulação financeira.”(140)

No topo estão os gigantes planetários; “Há na realidade uma lista oficial desses monstros, publicada pela Financial Stability Board, uma entidade global baseada na Suíça. Havia 29 bancos grandes demais para quebrar (too-big-to-fail) na última conta em 2018, mais nove seguradoras grandes demais para quebrar, incluindo JPMorgan Chase, Bank of America, Citigroup, HSBC, Deutsche Bank, UBS, Bank of China, Goldman Sachs, Wells Fargo e Bank of New York Mellon…E aqui está uma tendência assustadora: enquanto os cinco maiores bancos detinham 10 por cento dos ativos bancários em 1990, a sua participação subiu para quase a metade em 2016.” Trata-se de um processo de concentração de poder muito acelerado. Tendência semelhante envolve outras instituições financeiras que constituem monopólios financeiros, como BlackRock, State Street e Capital Group. “E os monopólios tecnológicos (tech monopolies) como Facebook, Google e Amazon se assemelham – e na realidade são – agentes financeiros em várias formas importantes.”(102) Cerca de 80% dos ativos financeiros pertencem aos 10% mais ricos.(8) Trata-se de um “anti-estímulo”, tirando dinheiro da economia produtiva. 

Shaxson dedica boa parte do livro ao cerco da agricultura familiar por parte do agronegócio. Com o controle sobre as sementes, os fertilizantes, as tecnologias, a comercialização, ao acesso ao financiamento, ao transporte, o pequeno agricultor se torna apenas um operador rural da máquina mais ampla, com todas as suas atividades predeterminadas, e o nível de rendimento mantido no mínimo. No caso dos pequenos criadores de porcos, mandam “os gigantes  das sementes e empresas agroquímicas; as grandes empresas integradoras como Smithfield ou JBS, que tipicamente são donas dos matadouros e empacotadoras; as gigantescas firmas de comercialização global de commodities como Cargill que compram e vendem proteína animal; as distribuidoras; os processadores; os transportadores; e os supermercados e serviços de entrega online que levam a carne de porco até os lares americanos.”(282) 

Sim, a JBS é muito presente nos Estados Unidos, ela mesma controlada pela J&F, uma holding financeira. Montou-se uma pirâmide integrada com a extração financeira no topo. “Atualmente 85% da produção de porcos está sob controle de apenas quatro gigantes, com entradas de cerca de $120 bilhões em 2017: Tyson Foods, Hormel Foods Corp., a Smithfield de propriedade chinesa, e a JBS de propriedade brasileira.” Chamam isso de “Hog Finance Curse”, a maldição da finança de porcos, que gera baixa remuneração do criador e preços elevados na ponta: “Se os fazendeiros estão recebendo menos, mas os consumidores não estão pagando menos, então há um amplo excedente de riqueza escondido que é extraído do sistema.”(287) 

O dinheiro não está onde produzem, e sim onde os gigantes das commodities intermedeiam os fluxos: computadores, algoritmos, finanças, fortunas. As grandes fortunas por sua vez, e frequentemente a sede fiscal das grandes corporações, estão em paraísos fiscais. Formou-se uma máquina global extrativa que sequer paga impostos. Apresentei essa dimensão dos paraísos fiscais no meu A Era do Capital Improdutivo, em capítulo baseado em outro livro de Shaxson, Treasure Islands.  

O livro de Shaxson é muito legível, ele não apresenta “teorias”, mas o funcionamento efetivo dos vários setores da economia, e como os resultados são apropriados pelo mesmo sistema financeiro. Se apresentam como financiadores da produção, mas se trata essencialmente de extração: extraem muito mais do que aportam. Isso é refletido no subtítulo do livro: “Como a finança global está nos tornando todos mais pobres”. A lógica por baixo do sistema que atualmente domina, que explica a fragilidade econômica global e a explosão das desigualdades, é a que já foi tão bem exposta por Thomas Piketty: quando o PIB avança na média no ritmo de 2,5 a 3%, enquanto os rentismo financeiro rende entre 7 e 9%, não são “investidores”, são rentistas. Mariana Mazzucato chama isso de “capitalismo extrativo”. 

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