Frente a tantos absurdos que se levantam sobre a reforma agrária, é importante sistematizar alguns dados básicos: são, por exemplo, 371 milhões de hectares de boa terra agrícola disponíveis no Brasil, enquanto utilizamos na lavoura cerca de 60 milhões, e todo dia morre gente em luta pela terra…Publicado na revista Sem Terra, março 1995. (L. Dowbor)
Reforma Agrária: Dados Básicos
Frente às informações contraditórias que aparecem sobre o uso do solo rural, é importante ver com calma os dados básicos e oficiais sobre o assunto, apresentados pelo IBGE, e baseados nos censos agrícolas.
O Brasil, com os seus 8,5 milhões de quilómetros quadrados de superfície, que representam 850 milhões de hectares, tem 371 milhões de solos classificados em potencialidade agrícola boa, boa a regular, regular a boa e regular, totalizando 43,7% do território nacional. Deste total, são efetivamente cultivados, somando-se lavoura temporária e permanente, 52 milhões de hectares, em 1985. Mesmo considerando-se que hoje a área de lavoura é um pouco maior, entre solo não utilizado ou subutilizado estamos falando em centenas de milhões de hectares.
Por outro lado, os dados do censo agrícola mostram que dos 376 milhões de hectares cobertos pelos 5,8 milhões de estabelecimentos agrícolas do país, 3,1 milhões de pequenos agricultores têm acesso a apenas 10 milhões de hectares, 2,67% do total. No outro extremo, os 50 mil latifundios que cobrem mais de 1.000ha detêm 165 milhões de hectares, portanto 16 vezes mais. Na prática, 1% controlam dos estabelecimentos controlam 44% do total, quase a metade do Brasil rural.
É muito interessante confrontar estes dados com os dados de área de lavoura: quanto maior o estabelecimento, maior proporção da sua terra fica parada. Assim, os pequenos agricultores lavram 65% dos seus estabelecimentos, os de 10 a 100 ha lavram 28%, os de 100 a 1.000 ha lavram 13%, os de mais de 1.000 ha lavram apenas 6,7%, e os de mais de 10 mil hectares lavram 2,31 % dos seus estabelecimentos. O IBGE traz ainda a situação de 61 estabelecimentos de mais de 100 mil hectares, que utilizam para lavoura apenas 0,14% do total, seis vezes menos de um porcento.
No conjunto, a realidade é que a maior parte das terras agrícolas do país é utilizada como reserva de valor, por grandes proprietários que preferem imobilizar grandes áreas e esperar que se valorizem por efeito de investimentos públicos e privados de terceiros, do que desenvolver atividades produtivas. Está situação é em geral mal disfarçadas pelo que se tem chamado pudicamente de “pecuária extensiva”.
É verdade que as grandes propriedades apresentam em geral uma produtividade por hectare cultivado maior do que o pequeno agricultor. No entanto, fazendo o cálculo, a partir dos dados acima, de produtividade por hectare disponível, incluindo portanto a subutilização do solo, descobrimos que a produtividade dos grandes é absurdamente baixa, pois usam produtivamente uma parte muito pequena dos estabelecimentos.
Manter esta situação quando milhões de agricultores querem cultivar e são impedidos por falta de terra, enquanto dezenas de milhões passam fome nas cidades, mostra o grau de absurdo que pode atingir a ausência de processos democráticos de decisão no interesse da sociedade. E pela crescente tensão das cidades, temos de concluir o óbvio: a reforma agrária não é mais um problema rural, é um questão chave da problemática urbana. Quem financia os prejuizos da impressionante subutilização do solo agrícola somos nós.
Ladislau DOWBOR, doutor em Ciências Econômicas pela Universidade de Varsóvia, professor titular da PUC-SP e do IMS, é autor de O que é Poder Local?, Brasiliense.
Reforma agrária: publicado em Sem terra – Jornal dos Trabalhadores Rurais – Ano XIV, n. 144, março 1995 |