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Defying Hitler: a memoir

Sebastian Haffner, 2002.

Defying Hitler é um livro bastante diferente de tudo que já lemos sobre o nazismo. Os americanos fizeram milhares de filmes, temos excelentes livros históricos (The rise and fall of the Third Reich, para sebófilos), e um sem-número de estudos militares.

Mas a grande pergunta não estava respondida: como surge a fantástica explosão de fanatismo num povo tido como racional, culto e tecnicamente desenvolvido? Sabemos hoje que 50% dos médicos alemães aderiu ao partido, assinou em baixo da proposta. Médicos!

Foi este mistério, que há tempos me ficara na cabeça, que me levou a comprar este livro. E realmente, a resposta está em cada página deste relato prosaico de um cidadadão alemão que mostra como uma pessoa média é levada a gritar Heil Hitler.

Haffner escreveu este livro em meados dos anos 1930, pondo no papel os seus sentimentos frente à subida do nazismo. Quando começou a guerra, considerou que o seu texto estava ultrapassado, e o livro só agora foi publicado, resgatado por seu filho que o encontrou no meio dos manuscritos do pai.

Haffner escreve muito bem, de maneira simples e incisiva, qualidades que o levariam mais tarde a uma brilhante carreira de jornalista. E a estrutura do livro é muito simples, pois se trata de um relato do cotidiano. Nem grandes descrições de violência, nem pesquisas históricas.

É o relato de vida de um jovem, das farras com os seus amigos, das festas e ilusões, dos amores e ambições profissionais de um alemão comum, de um cotidiano despreocupado no qual vai penetrando insidiosamente o fanatismo, a loucura.

A leitura é particularmente importante porque sempre pensamos o totalitarismo como coisa do passado, e os filmes que em geral nos mostram os alemães da époco como marionetes ridículos confirmam este tipo de parêntese histórica em que confinamos esta época, como se o potencial do fanatismo não estivesse em todos nós.

Quando olhamos hoje as razões do terrorismo, e as razões do que se faz em nome da sua prevenção, um pouco de reflexão nos leva a entender que as sementes do mal estão por toda parte. Mais do que dividir a humanidade em bons e maus, trata-se de entender as dinâmicas sociais, políticas e culturais que de repente transformam pessoas normais em bestas.

Quando fui preso e torturado em 1970, um dos meus interrogadores revelou ser um ex-colega meu do Colégio Loyola, de Belo Horizonte. Não vi nele nenhum traço doentio: explicou-me que quanto mais informações cconseguisse, mas tinha chances de promoção profissional. Enfim, encarava a máquina de choque elétrico com naturalidade, queria ter sucesso, ganhar dinheiro, comprar uma casa. Como a violência era generalizada, ficou banal, quase natural.

O que deve assustar no totalitarismo, no fanatismo ideológico, não é o torturador doentio, é como pessoas normais são puxadas para dentro de uma dinâmica social patológica, vendo-a como um caminho normal.

O próximo fanatismo político não usará bigode e botinha, nem gritará Heil como os idiotas dos “skinheads”. Usará terno, gravata e multimídia. E seguramente destruirá a democracia, mas em nome da democracia.

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