Veja abaixo o comentário do professor Dowbor sobre o livro, para o Seu Jornal da Rede TVT, em seguida, a resenha.
Podemos fazer estudos gerais da economia, analisar mercados, oligopólios, equilíbrios monetários, níveis de emprego e semelhantes. Christopher Leonard pertence a uma linha diferente de análise. Este jornalista do Wall Street Journal e outras mídias, estudou durante anos, de maneira muito exaustiva, o caso da corporação Koch Industries, uma das maiores do mundo, e um símbolo dos organizadores da extrema direita americana, em nome da ética e da liberdade. Ética e liberdade do mais forte, naturalmente.
Charles Koch, (em inglês pronuncia-se kok) que herdou uma empresa modesta de energia do seu pai, transformou a unidade num dos maiores conglomerados do mundo, atuando de maneira extremamente sistemática na quebra de sindicatos para maximizar lucros, mas sobretudo na aquisição ou quebra de possíveis concorrentes, e na organização de uma gigantesca rede de controle da política. A sua filosofia foi detalhadamente explicada num livro ideológico chamado Market-Based Management, MBM, que todos os milhares de funcionários têm de assimilar antes de serem contratados, sendo obrigados a frequentar cursos, até assimilarem um código de conduta de total dedicação, em torno ao objetivo de maximização de lucros da corporação. Tendo lido de jovem Hayek e Mises, expoentes da escola austríaca de economia que nos legou também Milton Friedmann, aderiu à ideia de liberdade total da corporação e à luta contra políticas públicas, contra o “Estado” como opressor, bem como a qualquer autonomia de organização dos trabalhadores.
Até aí pouco o diferencia de tantos novos super-homens da economia, os Bezos, Zuckerberg, Jeff Welch, donos de centenas de bilhões em fortunas, com sistemas organizados de evasão fiscal, em nome da liberdade, do bem-estar, do trickling-down, teoria esta que sugere que quanto mais os ricos enriquecerem mais gotas haverá (literalmente trickling-down) para o resto da humanidade. O que tornou Koch tão dominante, foi o fato de ter gerado sistemas muito disciplinados de organização, baseados na gestão informática sobre a propria empresa, preços, políticos, finanças, tecnologias, mercados, sobre os concorrentes, sobre as fragilidades de empresas que poderiam se tornar presa fácil, sobre as propostas de leis, em particular as de proteção do clima, que poderiam prejudicá-lo. O fato de poder estar dispondo de uma posição central de controle do petróleo, num país com crescente demanda por todos os setores, estratégico para o país, lhe deu uma base forte, em particular porque o petróleo se explora, não se produz, é um bem natural, e estratégico para o país.
Dotou-se de um contrato exclusivo de importação de petróleo mais barato do Canadá, e comprou uma refinaria, o que lhe permitiu gerar imensos recursos, com os quais construiu milhares de quilómetros de tubulações, cobrindo grande parte dos Estados Unidos, além de adquirir uma frota de navios petroleiros, que lhe permitiam importar e exportar petróleo segundo as variações de preços. Sobre essa base que lhe assegurou uma posição de negociador que impõe os seus preços, e que lhe permite variar os seus custos pela ampla rede de aquisição, tornou-se um comprador de empresas de qualquer setor que permitisse lucro. O gás, em particular, se tornou uma fonte de lucros, ao grupo adquirir uma grande cooperativa de produção de fertilizantes (o gás é base do nitrogênio), transformando-a, segundo a sua filosofia, em empresa privada com empregados, permitindo reduzir custos e obrigar os agricultores a pagar os preços. Antes, os agricultores e os operadores da fábrica eram membros da cooperativa.
Um traço marcante do grupo Koch, é que manteve a propriedade privada familiar de todas as suas empresas, sem cotação em bolsa, o que lhe permitia tomar ações diretas, sem consultar acionistas nem fazer relatórios trimestrais, e sobretudo sem precisar pagar aos acionistas os dividendos sobre os lucros. O resultado é que os lucros geraram sim uma fortuna pessoal, mas eram essencialmente reinvestidos na própria empresa. Neste sentido, era uma estrutura tradicional, sem adesão à máquina de dividendos que trava as empresas produtivas, ao desviar os recursos para Wall Street, BlackRock e tantos drenos financeiros.
Charles Koch, mais tarde sucedido pelo filho Chase, trabalhou de forma semelhante a implantação de políticas de extrema direita, no sentido de tentar travar políticas sociais, prestação de contas sobre impactos ambientais, legislação sobre impostos, na linha do ultraliberalismo. Na mesma filosofia de visão sistemática e de longo prazo, e em particular depois de uma emenda constitucional autorizar o financiamento corporativo de campanhas políticas (2010, Citizens United), criou, Estado por Estado, e inclusive em municípios, segundo os seus interesses, uma rede nacional de influência política, em que desempenharam papel fundamental os chamados Think Tanks, como Americans for Prosperity, Cato Institute, Competitive Enterprise Institute, que permitiam levantar fundos, e articular redes interempresariais para favorecer candidatos de extrema direita. A penetração nas universidades, em que financiamentos eram trocados inclusive por se ensinar o MBM da filosofia econômica, política e cultural do Koch, foi igualmente um investimento de longo prazo.
As mídias sociais passaram mais recentemente a desempenhar um papel importante na sua luta política. Nas regiões onde havia gestão de democratas, não de republicanos, a ação não consistia apenas em financiar o oponente republicano, mas sobretudo em montar campanhas histéricas de denúncia do gestor existente democrata, com fake-news, denúncias de corrupção, contratação de bandos para xingar e gritar durante qualquer reunião do político a abater. Funcionou de maneira impressionante, ao apresentar a tantos frustrados do andar de baixo da sociedade, contra quem canalizar os seus ódios. Como tão bem mostra Max Fisher em outro livro, A máquina do caos, mobilizar o ódio funciona mais do que apresentar programas e soluções.
Estou aqui apresentando algumas linhas gerais. Mas queria mesmo é sugerir fortemente a leitura do livro, pois através do histórico detalhado de uma corporação concreta, dos seus embates comerciais, financeiros, políticos, da guerra corporativa curiosamente chamada de liberdade de mercado, é o funcionamento do conjunto da economia, da política, da mídia, dos Think Tanks, das universidades apropriadas, que se passa a entender como funciona a economia realmente existente. Permite também entender que o que hoje chamamos de ciência econômica, frequentemente apenas serve para justificar interesses.
Charles Koch era muito eficiente, organizado, informado. Era consultado pelos presidentes. Parabenizou Trump quando este liquidou praticamente a instituição de proteção ambiental dos Estados Unidos, e reduziu os impostos corporativos de 35 para 21%. Lucros fabulosos, explorando um produto natural essencial como o petróleo, ou o gás, exercendo poder de monopólio, manipulando a política para obter as leis que o favoreciam. E aos seus diretores, sempre recomendou que cumpram a lei, a 10.000 por cento, ou seja 100 vezes 100 por cento. O importante, naturalmente, é poder fazer a lei que se cumprirá. É uma corporação, ainda que gigante, mas através da vida e da evolução desta corporação é o funcionamento de um sistema e de uma nação que se descortina.