The case for the Green New Deal
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The case for the Green New Deal

Será possível escapar da ditadura financeira? Num livro agora indispensável, a economista Ann Pettifor aposta que sim. Mas a condição é construir saídas tão surpreendentes, e capazes de desafiar a lógica do sistema, como o Green New Deal. As velhas fórmulas já não servem.
Autor
Ann Pettifor
Tamanho
185 páginas
Editora
Ano
2019
ISBN
978-1788738156
Artigo originalmente publicado no site Outras Palavras

Estamos todos procurando novos caminhos. Os objetivos não são misteriosos, temos de assegurar um mínimo de equilíbrios entre o poder corporativo, o setor público e as organizações da sociedade civil para construir uma sociedade economicamente viável, mas também socialmente justa e ambientalmente sustentável. A globalização, a financeirização e o poder dos gigantes corporativos reduziram drasticamente a nossa capacidade de assegurar uma sociedade funcional. E no processo de globalização, os Estados nacionais perderam grande parte da sua capacidade de batalhar o bem comum. Um novo pacto é indispensável, na linha do que já se fez nos EUA de Roosevelt em 1933, mas agora incorporando a dimensão ambiental. É o Green New Deal.

Em The case for the Green New Deal (Verso, 2019), Ann Pettifor parte do desafio que representa a invasão generalizada dos sistemas financeiros em todas as áreas das nossas vidas. “Empresas financeiras privadas têm nas últimas décadas deslocado os governos no financiamento de atividades que costumavam ser do domínio do setor público: água, transporte, educação, habitação, serviços ambientais e saúde. O setor financeiro teve tanto sucesso em puxar para a esfera comercial e monetária todos os espaços de atividade coletiva, que já quase não resta atividade privada ou ativos ou atividades públicas que não tenham sido transformadas em commodities, precificadas e comercializadas globalmente. Os preços de serviços essenciais – inclusive saúde e educação superior – subiram a ponto de ficar fora do alcance de milhões de pessoas, e hoje se tornaram uma causa maior da praga da desigualdade” (60).

A nação, na visão da autora, é essencial. “A globalização financeira teve sucesso nos seus objetivos precisamente porque a democracia regulada não pode funcionar no nível global. Os mercados que operam na estratosfera financeira não podem ser chamados à responsabilidade pelos cidadãos, mesmo quando efetivamente governam a economia de uma nação” (69). Temos aqui a grande contradição, em que os governos continuam sendo nacionais, mas os instrumentos financeiros se tornaram globais. A grande questão, segundo Pettifor, é a seguinte: “Como transformar o capitalismo financeirizado? Como resgatar o poder sobre o bem público que é o sistema monetário, das mãos dos que exercem autoridade privada sobre o sistema? Como recolocar este bem público nas mãos de uma autoridade democrática? (71)”

Ou seja, no conjunto este novo pacto social sustentável, Green New Deal, consiste em resgatar o controle dos nossos processos de desenvolvimento, de modo a que a economia volte a estar a nosso serviço, e não o contrário. O descontrole do sistema financeiro desempenha um papel central, mas é o conjunto da lógica de como nos administramos como sociedade que está em jogo. Não é necessariamente ambicioso demais. Joseph Stiglitz, economista de peso que já foi peça importante do “sistema”, agora prega uma revisão em profundidade das “regras do jogo”, na linha do que chamou de “capitalismo progressivo”. Thomas Piketty, no seu último Capital e Ideologia, propõe um “socialismo participativo”, Manuel Castells propõe uma “sociedade em rede” muito mais horizontalizada, Hazel Henderson apresenta a sua visão da “Win-Win Society”.

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O desenho das transformações necessárias ainda é fragmentado, mas a sua necessidade é evidente. O próprio Stiglitz constata o “desastre” que resultou dos 40 anos de neoliberalismo global, e estudos em profundidade como os de Wolfgang Streeck avaliam corretamente que o que vivemos pode não ser o fim do capitalismo, mas sem dúvida “o fim do capitalismo democrático”. Quando o Papa Francisco fez um chamado, ainda em 2019, “por uma outra economia”, rapidamente se juntaram à sua iniciativa personagens de primeira linha mundial, como o próprio Stiglitz, Jeffrey Sachs, Vandana Shiva, Muhammad Yunus, Kate Raworth e numerosos outros, resultando em debates que se espalham pelo planeta. As mudanças estão na ordem do dia, e a busca de novos rumos se reforça à medida que se multiplicam os desastres ambientais, sociais, políticos e econômicos. 

Nesse sentido, uma visão sistêmica como Green New Deal ajuda muito no debate e na construção de alternativas. A sua construção se desenvolveu essencialmente nos Estados Unidos e na Inglaterra, com pequenas variações. Um desafio central é o fato que o sistema financeiro opera em escala global, reduzindo drasticamente o espaço das iniciativas nacionais. “A globalização financeira teve sucesso nos seus objetivos justamente porque a regulação democrática não consegue funcionar em escala global. Os mercados que operam na estratosfera financeira não podem ser controlados (held to account) por cidadãos, mesmo quando eles efetivamente governam a economia de uma nação (69).”  

Aqui as propostas vão no sentido de um resgate da nação, e dos sistemas colaborativos: “no futuro, as nações continuarão a compartilhar e acordar metas de carbono, ideias, conhecimento, habilidades, hospitalidade e regras regulatórias e acordos. Mas um princípio chave da economia do Green New Deal é seguramente que os países e os seus povos serão tão autossuficientes como possível” (75). E a orientação tem como pré-condição assegurar o básico para todos: “As necessidades básicas (basic needs) constituem, portanto, precondições universais para a participação efetiva em qualquer forma de vida social” (65). Trata-se aqui, além da renda básica, de assegurar o acesso às políticas públicas, como saúde, educação, segurança e semelhantes. “Os serviços públicos constituem um veículo poderoso de redistribuição. De acordo com a Oxfam, asseguram aos mais pobres o equivalente de 76% da sua renda pós-tributação” (102).

Um ponto chave que está se tornando cada vez mais apropriado, é que as contas públicas não se equilibram reduzindo a dimensão do Estado e as políticas sociais, mas usando o Estado para dinamizar as atividades econômicas e sociais, que por sua vez geram receitas para o Estado. “Os investimentos públicos fornecerão os bens e serviços que a sociedade e o ecossistema precisam, e ao estimular tanto o setor privado como o setor público se gera a renda necessária para financiar essa transformação” (105). Pettifor insiste nesta visão que hoje se torna mais clara com a paralisia econômica que resulta das políticas de austeridade: o investimento e o emprego são os que expandem os recursos para financiar o desenvolvimento.

Isso envolve o controle dos juros, de forma a não gerar um endividamento cumulativo: trata-se de “regular o sistema bancário privado, e administrar as taxas de juros no conjunto do espectro de empréstimos” (104). Os bancos centrais terão de “assegurar que o crédito seja direcionado para atividades produtivas e que geram renda, e não especulação, e mantendo os juros baixos” (136). Para as empresas funcionarem, os juros têm de ser menores do que os lucros obtidos. Os juros demasiado altos “levam as empresas a extrair mais valor agregado da sua força de trabalho, do seu estoque de capital e ultimamente do ecossistema”. Isso envolve por sua vez que os recursos dos bancos centrais sejam concedidos “às empresas ativas na economia real” (138).

Este novo pacto social implica, portanto, uma visão de conjunto, reorientando a economia para o bem-estar da sociedade e a sustentabilidade ambiental. “Se formos empreender os desafios ambiciosos do GND (Green New Deal) – educação e saúde para todos e uma economia baseada na energia renovável e transporte público sustentável – então teremos de levantar grande quantidade de dinheiro para investir nesses setores, especificamente em projetos que criam atividade econômica e especialmente empregos. Ao gastar e investir em empregos, os governos irão gerar receita a partir de impostos, reduzir os custos sociais e inclusive administrar melhor a dívida pública” (131). Uma condição básica, portanto, é “regular e subordinar o setor financeiro globalizado aos interesses da sociedade como um todo” (161).

Em termos econômicos, não é nada revolucionário, é bom-senso organizado: “Num processo circular que mantém a estabilidade e o equilíbrio, as receitas tributárias aumentam em consequência das iniciativas do banco central e dos bancos comerciais, com investimentos na atividade econômica, em particular no emprego” (147). De forma geral, essa visão do Green New Deal, de ir além de um elenco das nossas necessidades, para apresentar um processo que funcione simultaneamente nas suas dimensões econômicas, sociais e ambientais, ajuda na construção de novos rumos, tarefa cada vez mais urgente. Um livro pequeno, de fácil leitura, uma ótima contribuição para o debate que se expande no mundo.

Uma resposta

  1. Precisamos ter acesso aos livros que ilumine nossa visão, que nos tire da escuridão e nos livre da ignorância.
    A escola tem que instruir as crianças de maneira que elas possam vislumbrar um mundo humanizado e justo.

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