Com a acumulação dos desastres ambientais, a tragédia da desigualdade e o caos da financeirização, constatamos uma necessidade de repensar a economia de maneira criativa. De certa forma, a complexa sociedade do século 21 não pode ser gerida com as simplificações do neoliberalismo. A articulação dos interesses econômicos, sociais e ambientais, e um outro equilíbrio entre corporações, estado e sociedade civil organizada estão no centro deste repensar das teorias econômicas. O artigo de Andy Beckett, New Left Economics: how a network of thinkers is transforming capitalism, publicado no Guardian, apresenta algumas das principais discussões na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, mas a discussão hoje é muito mais ampla. A própria economia que ensinamos está profundamente desatualizada, e novas ideias são bem vindas. Reformulando Margareth Thatcher, há sim alternativas.
A realidade é que o sistema que vivemos se tornou disfuncional. “Nos últimos anos, o sistema começou a falhar. Em vez de prosperidade sustentável e amplamente compartilhada, produziu a estagnação salarial, cada vez mais trabalhadores na pobreza, cada vez mais desigualdade, crises bancárias, as convulsões do populismo e a aproximação da catástrofe climática. Mesmo políticos seniors da direita concedem a seriedade da crise. Na conferência de Conservadores do ano passado, o chanceler, Philip Hammond, admitiu que um “gap” se abriu entre a teoria do que uma economia de mercado entrega…e a realidade. Demasiadas pessoas sentem que o sistema não está funcionando para elas. Há um reconhecimento que surge de que um novo tipo de economia é necessário: mais justa, mais inclusiva, menos exploradora, menos destrutiva da sociedade e do planeta.”
Neste sentido, abriu-se espaço para repensar de maneira mais abrangente a teoria econômica. “Estão tentando construir um novo tipo de teoria econômica de esquerda: uma que enfrenta os defeitos da economia do século 21, mas também explica, de forma prática, como futuros governos de esquerda poderiam gerar uma que seja melhor… O projeto enormemente ambicioso dos novos economistas significa transformar as relações entre o capitalismo e o estado; entre trabalhadores e os empregados; entre a economia local e a global; e entre os que detêm recursos econômicos e os que não os têm…O resultado, dizem os novos economistas, será uma economia a serviço da sociedade, em vez de – como o que temos no presente – uma sociedade subordinada à economia. A nova economia… na realidade não é uma ciência econômica. É uma nova visão de mundo”.
O artigo traz exemplos de inovações, e na versão online permite acessar links para diversos estudos que envolvem a nova economia, a democracia econômica, a apropriação comunitária do desenvolvimento nas cidades, sistemas participativos nas empresas (“inclusive ownership fund”), a expansão das soluções cooperativas e semelhantes. Temos aqui evidentemente o New Economics Foundation em Londres, mas também o Democracy Collaborative nos Estados Unidos, o New Economy Organization Network NEON, Stir to Action, Common Wealth e outras organizações que pensam e discutem as transformações necessárias.
O enfrentamento dos interesses corporativos, que não têm raízes locais e por vezes sequer nacionais, está muito presente na discussão. “Os ativistas seguem o que a estratégia de Alperovitz chamou de ‘construção de riqueza comunitária’, que visa ultrapassar a dependência de economias locais em dificuldades relativamente às corporações distantes e que extraem riqueza, numa relação de força desigual – tal como as grandes redes comerciais – e visando basear essas economias em torno a empresas locais e socialmente mais conscientes. ” A ideia é reduzir o vazamento de dinheiro para fora das comunidades, pois “criar valor social é o que interessa.” Aliás aqui os estudos do Roosevelt Institute, não mencionados no presente artigo, são igualmente importantes.
Acho este artigo importante, ainda que aponte apenas a uma parte deste universo em transformação. Nós que trabalhamos, como nos cursos de economia na PUC-SP, com uma visão de economia política, portanto mais aberta para os impactos estruturais sobre a sociedade, tanto em termos econômicos, como sociais e ambientais, temos aqui boas fontes. Um novo conceito de ensino da própria economia está se reforçando.
– Prof. Ladislau Dowbor
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