L.Dowbor – Voto Dilma, uma questão de bom senso – setembro, 2014 (3p.)
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L.Dowbor – Voto Dilma, uma questão de bom senso – setembro, 2014 (3p.)

Autor
Ladislau Dowbor
Tamanho
3 páginas
Originalmente publicado
Data
Voto Dilma, uma questão de bom senso

Nem a situação internacional preocupante, nem muito menos a dinâmica interna permitem aventuras, voos inseguros em nome da moralidade e do liberalismo,

Por Ladislau Dowbor 
Carta Maior 21/09/2014


Achei importante me posicionar relativamente às eleições presidenciais. Os que acompanham o meu trabalho sabem a centralidade que têm, na minha visão, a redução das desigualdades e o resgate da sustentabilidade ambiental. A própria economia, neste sentido, tem de responder a estes objetivos: o que queremos é viver melhor, este é o fim, o resto são meios. A presente tomada de posição também está ligada à vontade de buscar raciocínio numa área onde com facilidade os argumentos descem do cérebro para o fígado: as pessoas perdem de vista o que realmente importa. O clima de ódio, tão fortemente insuflado em particular pela mídia comercial, realmente não ajuda. Deixem-me dizer desde já que o catastrofismo apresentado é semelhante ao da véspera da Copa, e tem a mesma falta de fundamentos.

Gostaria também de me proteger contra a imediata rejeição por parte de quem acha que tudo que vem de outra banda é contaminado. Quando Ruth Cardoso, há anos, me pediu para ajudar no Comunidade Solidária, ao lado de Gilberto Gil, Zilda Arns e outros personagens que respeito, participei, sem remuneração, por achar que poderia ser útil. O objetivo maior, para mim, é o bem-estar da população. E também aprendi muito, em particular ao constatar que não basta um pouco de política social, precisávamos de uma política integrada de Estado para reerguer a base do país. Na época me criticaram à esquerda por ajudar o Comunidade Solidária, hoje poderão me criticar por apoiar a Dilma. Deem-me ao menos o crédito de que a minha posição não parte do fígado, mas dos conhecimentos que adquiri aplicando políticas de desenvolvimento e de inclusão em vários países, no quadro das Nações Unidas, e em vários segmentos de gestão pública e privada no Brasil.

O argumento central, de longe, é que o Brasil gerou um círculo virtuoso que não pode ser interrompido. Quanto mais se aproximam as eleições, sem dúvida, mais aparecem gritos de que a economia está quebrada, de que estamos num mar de lama e argumentos semelhantes. Nenhum deles se sustenta. O PIB estar murcho quando a economia mundial está em crise e as commodities básicas perderam mais de 15% do valor no mercado internacional não é surpresa. Tampouco é surpresa aparecer muito mais corrupção quando é combatida: quando tudo funciona a contento, há um silêncio solidário entre quem paga e quem recebe. E num país de 200 milhões de habitantes, 8 milhões de funcionários públicos e 5 milhões de empresas, há muita matéria prima para denúncias. Apresentei o amplo leque de opções de desvios em pequeno livro, Os estranhos caminhos do nosso dinheiro. Recomendo, está online, eu fiz a lição de casa, abri a caixa. Acreditem, já fiz este exercício para vários países, a pedido da ONU, eu sei o que são números e o que é cosmética. Follow the money, siga o dinheiro.

E o que importa mesmo é a dinâmica estrutural e de longo prazo. Aqui os dados são avassaladores. Temos os quase 40 milhões de brasileiros que saíram do buraco negro em que se encontravam, e isto em si já é quase milagroso, num país onde se criou uma ditadura por um miserável aumento de salário mínimo e fragmento de reforma agrária. Temos também os 20 milhões de empregos formais criados, um aumento do salário mínimo real da ordem de 70% e o menor desemprego da história, da ordem de 6%, dados que apontam para um marco de transformação estrutural. Aqui não há voo de galinha. Eu, por ofício de economista, acompanho os números. A esperança de vida ao nascer, efeito de alimentação, saúde e outros direitos básicos, passou de 65 para 74 anos: ou seja, o brasileiro tem praticamente 10 anos de vida a mais para falar como era bom antigamente.
 
No plano ambiental, a redução de desmatamento da Amazônia de 28 para 5 mil quilômetros quadrados é um imenso avanço. E meio-ambiente é muito mais que o verde. Mais de um milhão de famílias passaram a ter moradias decentes, o financiamento do pequeno e médio agricultor passou de 2,5 bilhões para 25 atualmente, há uma batalha em curso pelo fim dos lixões, criou-se um PAC de mobilidade urbana – desastre acumulado por décadas de descaso do transporte público – tudo isto é meio ambiente. Nesta dinâmica não se deve mexer, a pretexto de eleger políticos que poderão fazer o mesmo de maneira mais eficiente. Para ampliar as políticas atuais e aprofundá-las, em termos de gestão o melhor é manter quem as criou e domina as dinâmicas, do que entrar no caos tradicional da descontinuidade administrativa.

A solidez dos avanços de hoje encontram sem dúvida pontos de apoio fundamentais que foram a aprovação da constituição de 1988, que nos devolveu regras de jogo democráticas, e a ruptura da hiperinflação em 1994, que recuperou o sentido das contas e do cálculo financeiro. Mas também enfrentamos a perversa herança de meados dos anos 1990, que foi a da taxa Selic, com monumentais transferências de dinheiro público para os bancos: as tentativas de reduzi-la encontram a resistência feroz dos mesmos interesses que hoje estão em campanha. Outra herança pesada foi a autorização em 1997 do financiamento corporativo das campanhas eleitorais. O resultado é que temos um congresso com bancadas ruralista, das empreiteiras, dos grandes bancos, das montadoras, da grande mídia, e ficamos à procura da bancada cidadã: os interesses privados estão dentro do sistema público, com todo o desequilíbrio que isto implica. São estes mesmos grupos que dificultam as transformações que querem recuperar o poder. O tripé que realmente interessa é o resgate da representatividade dos eleitos, o controle do sistema de intermediação financeira e o equilíbrio do sistema tributário: reforma política, reforma financeira, reforma tributária.

Os imensos avanços que tivemos nos últimos anos, e que precisam continuar, se deram dentro deste quadro de restrições. De certa forma, o próprio desenvolvimento conseguido exige um marco institucional modernizado. Temos um ministro do STF que “pediu vistas” na votação sobre a inconstitucionalidade que representa o financiamento eleitoral por corporações, apesar de estarem já garantidos os 6 votos que dão a maioria à sua proibição. São mais dois anos de privilégios e de deformação política. A oposição demanda a volta do controle do Banco Central pelos bancos, na linha da chamada “independência”. A direita ostenta o “impostômetro” quando se trata não de aumentar os impostos, mas de torná-los justos. As soluções não estão na volta para trás.

De certa forma, o corpo econômico e social do país cresceu mais do que a camisa institucional que o veste, e que hoje o trava. Nesta tensão, há os que querem a volta ao passado, à restrição das políticas sociais, à redução das políticas públicas, ao travamento da subida da base da pirâmide que os assusta. E há os que querem dinamizar o processo virtuoso gerado por meio de mudanças estruturais. Nos protestos, misturam-se assim por vezes os que são indignados pelos avanços, e os que são indignados porque não se avança o suficiente. A verdade é que estamos sim enfrentando entraves institucionais poderosos – daí a importância de uma constituinte que modernize o sistema – mas para que os entraves sejam rompidos, ou atenuados, precisamos manter e expandir as políticas de desenvolvimento em curso.

Nem a situação internacional preocupante, nem muito menos a dinâmica interna permitem aventuras, voos inseguros em nome da moralidade e do liberalismo, argumentos que clamam por um voto “contra”, mas que não apresentam outra perspectiva senão o da reconstituição do sistema de privilégios de sempre. A verdade é que a máquina administrativa herdada foi feita para administrar privilégios, não para prestar serviços. E os privilegiados a querem de volta. A dinâmica de transformação em curso é preciosa demais para que a travemos com aventuras. Precisamos de mudanças sim, mas de mudanças para a frente, não de um retrocesso liberal.


Download: https://dowbor.org/wp-content/uploads/2014/09/voto-dilma.pdf

6 respostas

  1. Sr. Ladislau não basta olhar as pedras colocadas no caminho. É preciso, sempre, levantar a cabeça e enxergar onde nos leva a estrada que os governos no PT pavimenta e todos teremos que trilhar inexoravelmente.
    Não podemos nos comportar como esfomeados de democracia onde o “direito ao voto” representa a recompensa máxima quando é só o começo.
    Basta olharmos para Bolívia, Venezuela, Cuba, Coreia do Norte, China e, finalmente, o mais tocante exemplo da ineficiência do sistema que se opôs ferozmente ao capitalismo: a URSS.
    Por que será que ela literalmente AFUNDOU?
    E ainda há pessoas que lutam pela sua implantação ao redor do mundo.
    Só pode ser fé pura ou cegueira pura, o que dá no mesmo.
    Acreditam num por rejeição a outro.
    Como acreditam em deus por rejeitar o diabo.

  2. Arpa….nada disto, sorte do Professor Ladislau não ter você como aluno…Mude tua forma de pensar, abra teu prisma que verás a realidade das coisas.

  3. Caro Doutor Landislau Dowbor,

    Parabéns! por seu artigo: Voto Dilma, uma questão de bom senso.

    Os haters gonna hate(Os odiadores odiarão, e os Trolls, tentaram fisgar), Rsrrsss… “Eles que em nome da moralidade e do liberalismo”, sempre irão espernear.

    Mais uma vez, excelente seu artigo. Lavrado com cunho teórico, mas de fácil digestão para os leigos.

    Valeu! Inté… Sucesso!!!

    Com Respeito e Atenção,

    Anderson Dias Pignata Cruz Macêdo

  4. Olá professor, torço em primeiro lugar para que o país continue caminhando para a melhor distribuição de renda, a inserção dos menos favorecidos economicamente no mundo acadêmico, na valorização dos direitos trabalhistas e principalmente na transformação do Brasil. Quem viveu as décadas de 80 e 90 com arrocho salarial, desemprego e inflação sabe o que é retrocesso. Obrigada por ser professor e abrir mentes que estão dispostas a isso.

  5. È Ladislau, é duro ver uma pessoa que se diz instruída ser tão cega ao atual sistema podre que reina no país. Vote Dilma, Vote, Renan. Vote Sarney, Vote Collor, Vote corrupção, Vote mensalão, Vote petrolão, Vote manter os miseráveis na eterna miséria, apontando-lhes o dedo em riste e os ameaçando de tirar-lhes o bolsa-família caso votem na oposição, mantenha-os no cabresto do medo de perder o pouco que possuem, Vote na volta da inflação que destrói o poder de compra dos trabalhadores, vote na falta de saúde e educação. Vote nos presos da Papuda, que devem ser seus heróis.
    Por esta sua torta coerência vote no atraso. É duro ver um professor votar no retorno, depois de 15 anos, do crescimento nos índices de Analfabetismo. Sorte minha não ser seu aluno.

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