André Gorz já está bem entrado na idade, vai pelos 80 anos. E continua vivo, ativo e creativo. Ele que deu Adeus ao Proletariado, está dando as boas vindas à economia do saber, às novas formas de organização econômica e social que emergem da invasão tecnológica generalizada.
O livro, francamente, me parece apresentar altos e baixos. É um livro curto, extremamente denso, que não busca esgotar assuntos, mas abrir janelas para os novos desafios teóricos. E neste plano Gorz é brilhante. Vou descontar o último capítulo, que trata da irresponsabilidade científica, e da perda de contato de certas áreas científicas com as necessidades humanas: a visão é boa, mas um pouco exagerada. No entanto, algumas das aberturas são extremamente interessantes.
Um primeiro ponto, é que Gorz adota claramente a visão de que os deslocamentos nos processos produtivos em geral levam a uma mudança da própria ciência econômica: “A ampla admissão do conhecimento como a principal força produtiva provocou uma mudança que compromete a validade das categorias econômicas chaves e indica a necessidade de estabelecimento de uma outra economia” (9).
Delinear uma economia que leve em conta a generalização da dimensão conhecimento como elemento chave dos processos produtivos aponta para duas transformações básicas. Primeiro, é que uma inovação tecnológica representa um custo na sua criação, mas a sua reprodução e disseminação, nesta era informática, pode em geral se fazer a custo zero. Ou seja, enquanto na era fabril o produtor tinha de produzir grandes quantidades para ganhar mais dinheiro, no caso da inovação, uma vez identificada determinada tecnologia, o ganho é feito fechando ao máximo o acesso, para gerar um efeito de monopólio. Se a tecnologia se generaliza, adeus lucro. Ao patentear o “one-click” a Amazon impede milhares de empresas no mundo de desburocratizar as vendas, tirando das idéias a sua força maior, o fato de poderem fertilizar a criatividade dos mais variados atores sociais. A semente da Monsanto precisa ser dotada de um gene “exterminador” para evitar que os agricultores possam estocá-la. Um software é indefinidamente reproduzível. Ou seja, é preciso travar o acesso: “Sempre se trata de contornar temporariamente, quando possível, a lei do mercado. Sempre se trata de transfomar a abundância “ameaçadora” em uma nova forma de escassez” (11). Encontramos aqui os argumentos de Rifkin, amplamente citado no estudo de Gorz, e a visão do “capitalismo de pedágio” que desenvolvemos no nosso “A Reprodução Social”.
Segundo, as formas tradicionais de remuneração do trabalho se vêem ultrapassadas, notadamente na visão tradicional de oito horas de trabalho “alugadas” para o que a empresas necessite. A criatividade não se faz “por horas”. Há gente que pode ficar sentada semanas em um ambiente de trabalho e não trazer idéia alguma. Como se remunera a criatividade? O trabalhador, neste nível, se torna um tipo de empresário de si mesmo, negociando o seu produto. “A idéia do tempo como padrão do valor não funciona mais.”.
E se o tempo de trabalho não é mais o padrão de valor, como se determina o preço de venda do produto? Gorz passa naturalmente a anlisar a função da marca, da publicidade, dos valores simbólicos como base da nova formação do valor, delienando assim gradualmente a mudança sistêmica que enfrentamos.
“Se não for uma metáfora, a expressão “economia do conhecimento” significa transtornos importantes para o sistema econômico. Ela indica que o conhecimento se tornou a principal força produtiva, e que, consequentemente, os produtos da atividade social não são mais, principalmente, produtos do trabalho cristalizado, mas sim do conhecimento cristalizado. Indica também que o valor de troca das mercadorias, sejam ou não materiais, não mais é determinado em última análise pela quantidade de trabalho social geral que elas contêm, mas, principalmente, pelo seu conetúdo de conhecimentos, informações, de inteligência gerais. É esta última, e não mais o trabalho social abstrato mensurável segundo um único padrão, que se torna a principal substãncia social comum a todas as mercadorias. É ela que se torna a princpipal fonte de valor e de lucro, e assim, segundo vários autores, a principal forma do trabalho e do capital” (29)
É interesssante pensar que a partir de trabalhos de Jeremy Rifkin, de Lawrence Lessig, de Andé Gorz, de Pierre Lévy, vamos constituindo gradualmente uma área de desenvolvimento da ciência econômica, a economia do conhecimento, vetor de transformação do próprio sistema econômico em geral.
Na minha visão, sistematizar estes novos rumos nos ajuda bastante, mas não podemos esquecer que a metade da população ainda trabalha no campo, que quarenta por cento da humanidade ainda cozinha com lenha, e que em consequência uma das grandes ameaças não vem necessariamente do novo, mas da desarticulação do planeta gerada pela desigualdade dos processos.
De toda forma, “O Imaterial” é um dos melhores livros que me têm passado pelas mãos. Gorz é de leitura muito fácil, mas nos leva a parar para refletir a cada dois ou três parágrafos. O velhinho é bom. Vale a pena, é das poucas excelentes leituras disponíveis.