O protagonismo nas redes e movimentos sociais: etnografia e gestão
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O protagonismo nas redes e movimentos sociais: etnografia e gestão

Autor
Ladislau Dowbor
Tamanho
Originalmente publicado
Data

Dissertação de mestrado em Administração na PUC de São Paulo, defendida em 9 de setembro de 2005, orientação de Ladislau Dowbor, banca com os professores Sérgio Vieira e Vico Mañas.

Com Rita, [email protected] ou com [email protected]
As dissertações e teses constituem em geral uma gloriosa ocasião de orientador e orientando sofrerem juntos. No caso desta dissertação, fez-me sobretudo pensar. A questão básica é: as redes sociais e a cultura apontam para outros paradigmas de gestão? Uma dissertação em administração com visão antropológica é em si interessante. No caso de Sergio Perales, além do enfoque antropológico, há um objeto interessante de estudo, que são os movimentos sociais, e uma área que coloca problemas diferentes de gestão, que é a cultura. Perales vê a cultura como instrumento de transformação social e política. Como se administra um movimento como este? A tendência é aplicarmos para uma nova geração de formatos organizacionais as técnicas da era industrial: hierarquia, gestão por resultados, coerência sistêmica assegurada pela autoridade superior e complexas correias de transmissão, ou seja, a tradicional pirâmide de autoridade.
Isto funciona para a cultura? Como assegurar eficiência sem o critério unificador do lucro? A empresa tradicional é internamente densa em organização, mas o ambiente, chamado de “mercado”, não intervém, é a chamada mão invisível. O sistema se auto-organiza mesmo com liberdade dos atores empresariais, pois o lucro buscado por todos geraria eficiência em cada um. É o paradigma tradicional. Funciona razoavelmente para computadores, tênis e cenouras.
O que acontece quando se trata de cultura, produto não comercial, portanto não gerador de lucro, no quadro de um movimento social? As empresas, quando olham este universo, têm o reflexo de “pôr ordem” no que elas vêm como caos. Mas o processo cultural é diferente.

  • O ambiente da empresa é o mercado, o da organização social é o intercâmbio enriquecedor (ou problemático) entre pessoas.

 

  • O mercado, para a empresa, permite a coerência sistêmica ao organizar um campo comum de busca de lucros. A corência sistêmica da organização social é atingida pela densidade informativa que faz com que cada elo ou núcleo de decisão tenha visão de conjunto e sentido de missão.

 

  • O objetivo racionalizador da unidade empresarial sendo o lucro, o mecanismo correspondente é a competição. Uma empresa lucrativa é chamada de competitiva. A organização que busca o bem-estar social tem como mecanismo racionalizador a colaboração organizada. O paradigma é o win-win, a soma positiva.

 

  • A forma organizacional adotada num caso é a hierarquia empresarial de isntruções, no outro é a rede horizontal interativa.

 

  • Internamente, a empresa tradicional constrói a eficiência através de mecanismos de controle. No caso da organização social, onde as pessoas são motivadas não indiretamente (salário, participação nos lucros) mas pelo objetivo social, o controle é substituido pelo ambiente de confiança. Não é à toa que autores tradicionais como Peter Drucker, ao evoluirem para organizações sem fins lucrativos, se referem constantemente à confiança como uma capital importante da nova organização.

 

  • Na empresa o gosto que motiva está ligado à execuação eficiente em função do objetivo  a conseguir, contabilizam-se os minutos e os segundos. No movimento social, o gosto está na criatividade que acompanha a realização, e no sentimento de contribuição para a sociedade.

Uma rede social que promove atividades culturais obedece na realidade a um outro paradigma de gestão. É interessante que a diferenciação do processo aparece quando num mestrado em administração, realiza-se uma estudo sobre a área da cultura, numa forma de organização diferente que é o movimento social, e num enfoque antropológico, que parte do seguimento de como as pessoas se sentem no processo, como elas se vêm na atividade.

Grande parte dos conselhos que recebemos, quando nos defrontamos com problemas de organização do terceiro setor, ou de gestão social, é que devemos aplicar o just-in-time, obrigar as pessoas a preencher planilhas de controle de resultados, fixar objetivos proxy do lucro e assim por diante. Eu gosto sempre de lembrar o exemplo da Pastoral da Criança, uma rede de 240 mil voluntários articulada por uma estrutura extremamente leve (62 pessoas assalariadas), com grande densidade informativa, e uma competitividade em termos de utilidade social que dá de dez a zero em qualquer empresa tradicional de saúde. Coisas diferentes se gerem de maneira diferente.

Para dar uma olhada na dissertação do Sérgio Perales, contacte a Rita em [email protected]

(Ladislau Dowbor, setembro de 2005)

Autor: Sérgio Perales Francisco

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